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LEGISLAÇÕES PSICODÉLICAS BRASILEIRAS: o caso da ayahuasca.

No último artigo da nossa coluna, apresentamos um breve resumo das últimas atualizações legais dos psicodélicos em diferentes países ao redor do mundo. No fim do texto, destacamos o contraste com a realidade brasileira, ainda com movimentações discretas no campo das legislações psicodélicas.

No último dia 15 de Setembro de 2025, porém, foi sancionada no Acre a primeira legislação específica para disciplinar a coleta e o transporte das espécies empregadas na produção da ayahuasca. No texto de hoje, falaremos sobre esta notícia e sobre outras legislações psicodélicas em vigor no território brasileiro.


A Lei Nº 4.645 do Acre


A lei em questão, sancionada pelo governador Gladson Cameli (PP) sob o nº 4.645, é de autoria do deputado estadual Edvaldo Magalhães (PCdoB).


Finalidade da Lei


A lei tem por finalidade regulamentar a extração e o transporte das plantas usadas na produção da ayahuasca (mais conhecidos como, jagube e mariri), alterando a Lei nº 1.117, de 26 de janeiro de 1994, sobre a política ambiental do estado do Acre.

A lei visa:

  • conservar as espécies e sua variedade genética”

  • “garantir o uso sustentável dos recursos naturais”

  • “resguardar a liberdade religiosa e o uso cultural da ayahuasca”


Regulamentação e Categorias


A lei estabelece um sistema de licenciamento simplificado dividido em três categorias:

  1. “reduzidíssimo impacto”

  2. “reduzido impacto”

  3. “baixo impacto”

A legislação estabelece limites específicos para extração e transporte. É importante notar que a lei não afeta as comunidades indígenas ayahuasqueiras, já que elas não realizam o transporte em larga escala que a lei propõe regulamentar.

A nova lei, portanto, visa controlar principalmente as atividades das igrejas e centros em áreas urbanas, que precisarão comunicar ou ter uma autorização para o transporte das matérias primas, com diferentes categorizações previstas a partir da quantidade de insumos.


Fiscalização e Opiniões



Detalhes da Fiscalização


A lei descreve etapas para:

  • fiscalização

  • registro

  • apreensão Em situações em que o transporte esteja acima dos limites permitidos.

O texto também determina que o Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) crie em até 60 dias um sistema eletrônico para contato, registro e acompanhamento das coletas e transportes realizados pelas entidades religiosas.


Visão de Especialistas


Para especialistas, o foco da lei é:

  • Mitigar possíveis vendas ilegais da ayahuasca.

  • Coibir a extração e uso irregular da matéria-prima e da própria bebida psicodélica.

A lei teria sido elaborada para servir como mais uma barreira de proteção da natureza, da espiritualidade e da cultura ayahuasqueira contra a mercantilização em grande escala.


Críticas Ambientais


Há também quem destaque as negligências ambientais da elaboração da lei, sem contar com levantamentos oficiais sobre estoque e exploração do cipó e da folha. Para pesquisadores da área, seria fundamental contar com estudos integrados aos zoneamentos ecológicos e econômicos, integrando tecnologias de georreferenciamento e imagens de satélite, para avaliar a extensão de exploração e desmatamento.


Histórico da Regulamentação da Ayahuasca no Brasil


A lei do Acre não é a primeira a regulamentar a ayahuasca, mas sim, uma espécie de continuidade da Resolução nº1 de 2010 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD).


Resolução CONAD 2010


A Resolução de 2010 já previa princípios gerais, como:

  • Legitimidade do uso ritual.

  • Proibição da comercialização.

  • Proteção de menores de idade.

Esta Resolução, por sua vez, veio validar oficialmente o conteúdo do relatório final apresentado em 2006 pelo Grupo Multidisciplinar da Ayahuasca (GMT Ayahuasca), formado com o intuito de “fazer um levantamento e acompanhamento do uso religioso da bebida, bem como para a pesquisa de sua utilização terapêutica em caráter experimental” (MACRAE, 2025, p.152).


Breve Proibição


Tudo isso foi disparado pela breve proibição que a ayahuasca recebeu em 1985, quando chegou a ser colocada na lista de substâncias de uso proscrito pela Portaria nº 02/1985, da Divisão de Medicamento do Ministério da Saúde (DIMED).


Princípios Deontológicos do GMT Ayahuasca


Segundo Edward MacRae, grande referência nos estudos antropológicos da ayahuasca e membro do GMT Ayahuasca:

“(...) o relatório elenca dez princípios deontológicos através dos quais busca definir o que se entende por ayahuasca, as finalidades e os locais considerados pertinentes ao seu uso religioso, deixando, até de maneira tautológica, claramente vedado o seu consumo associado a substâncias ilícitas. Além disso, clarifica questões relacionadas ao cultivo das espécies constitutivas da bebida, sua produção e sua distribuição, descartando a comercialização da ayahuasca e a promoção de eventos relacionados a seu uso visando lucro. Rejeita o curandeirismo e recomenda que não seja dada ayahuasca a pessoas com transtornos mentais ou que estejam sob o efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas. Regulamenta a constituição das entidades ayahuasqueiras e apela para que estas mantenham entre si uma convivência ética e respeitosa” (MACRAE, 2025, p.156).

O Debate Contínuo e a Participação Indígena



Antiproibicionismo e Intolerância Religiosa


As resoluções e leis legitimam as religiões ayahuasqueiras, e visam proteger as culturas e espécies vegetais associadas à prática religiosa, entretanto, não encerram o debate.

MacRae sugere ainda que o antiproibicionismo e a luta contra a intolerância religiosa devem ser pautas permanentes no meio ayahuasqueiro, visto a história conservadora e racista também presente no Brasil.

O Professor afirma que “ao lado da adoção de posições políticas antiproibicionistas que se empenhem em afastar de vez qualquer ameaça à legitimidade das religiões ayahuasqueiras, parece importante também que seus adeptos estabeleça alianças com movimentos que combatem o preconceito religioso e as crescentes agressões movidas contra as religiões de matriz afro-indígena”.

Posição Indígena


Sobre a participação indígena neste debate:

  • A jornalista especializada em psicodélicos Caroline Apple afirmou que as lideranças indígenas contatadas por ela não se mostraram muito interessadas na possibilidade de tornar a ayahuasca um patrimônio cultural brasileiro.

  • O entendimento é de que a bebida é anterior até ao próprio país e que esta definição poderia enfraquecer a compreensão da ayahuasca primeiro enquanto uma tradição indígena.

Essa atitude de descrença frente aos movimentos estatais parece semelhante à adotada em outros momentos:

  • Quando levantada a necessidade da discussão das necessidades específicas dos povos indígenas no âmbito do GMT Ayahuasca, foi-se decidido que esta discussão deveria acontecer no âmbito do Estatuto do Índio.

  • Ainda assim, Bia Labate (diretora executiva do Instituto Chacruna) teria contatado por conta própria algumas lideranças indígenas para estarem presentes no seminário. Segundo MacRae (2025, p153-154): “Os indígenas, porém, não se mostraram interessados e não compareceram.”

Este posicionamento não reflete um simples desinteresse, mas, pelo contrário, uma construção política que avança também em paralelo e crítico aos movimentos estatais e institucionalizados.


Conclusão


Ainda com muitas lacunas, mas sem dúvidas com muitos avanços, o caso da ayahuasca no Brasil segue sendo uma referência internacional para políticas de drogas e de enteógenos, e o Acre agora se posiciona na vanguarda deste debate no território nacional.

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