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PALIADÉLICOS: o crescente campo do uso de psicodélicos no contexto dos cuidados paliativos.

Sabemos que os psicodélicos têm retomado espaço na ciência e na cultura desde os anos 2000, com o chamado Renascimento Psicodélico, e a retomada de ensaios clínicos com psicodélicos.

Nos últimos anos, cresce na mídia e na cobertura de imprensa notícias sobre o uso de psicodélicos no tratamento de depressão resistente e estresse pós-traumático, mas outras funcionalidades terapêuticas vêm sendo exploradas.


Um artigo publicado em abril de 2025, no periódico Progress in Palliative Care, destaca o emergente campo do uso de psicodélicos no contexto dos cuidados paliativos e da atenção ao sofrimento relacionado ao fim de vida.




O artigo teórico, escrito pelos enfermeiros com atuação em Cuidados Paliativos e também pesquisadores Jaime Andrés Vinasco Barco e Ana Cláudia Mesquita Garcia, apresenta uma revisão histórica do campo dos cuidados paliativos, tecendo paralelos com a história da ciência psicodélica, até chegar nas mais recentes contribuições científicas, no âmbito do Renascimento Psicodélico.


O destaque principal do trabalho, porém, é o neologismo que utilizam para se referir ao uso de substâncias psicodélicas em ambientes de cuidados paliativos: paliadélicos (combinando os conceitos de “paliativo” e “psicodélico”).




Segundo os autores, o reconhecimento da negligência da comunidade médica sobre os cuidados de pacientes em fim de vida tem início nas décadas de 1950 e 1960, principalmente a partir do moderno movimento hospice, marcado por eventos como:


  • a inauguração do St Christopher’s Hospice pela médica Cicely Saunders (1912–2005), e

  • a publicação, em 1969, do livro On Death and Dying, da médica Elisabeth Kübler-Ross (1926–2004).



O trabalho delas se tornou referência no campo da Tanatologia, destacando a importância de promover, além de cuidados físicos, suporte social, psicológico, emocional e espiritual para pessoas com doenças graves, criando as bases para a abordagem hoje chamada de cuidados paliativos.




Em entrevista à nossa redação, Ana Cláudia explica:


“(…) o cuidado paliativo vai se preocupar principalmente em controlar sintomas angustiantes e melhorar a qualidade de vida de paciente, familiares e cuidadores.

Quando falamos de controle de sintomas no âmbito do cuidado paliativo, partimos da perspectiva do conceito de ‘dor total’, da Dra. Cicely Saunders, ou seja, o controle e o alívio de sintomas que causam sofrimento, tanto na dimensão física, quanto na psicológica, na social e na espiritual.”


A partir do momento em que a pessoa recebe o diagnóstico de doença grave, ela já pode se beneficiar dos cuidados paliativos, ainda que não esteja necessariamente em fim de vida (normalmente considerados os últimos 12 ou 6 meses antes da morte).


À medida que a enfermidade avança e as possibilidades de tratamentos modificadores da doença ficam cada vez mais restritas, a abordagem dos cuidados paliativos pode contribuir grandemente na promoção do conforto, no controle de sintomas, e na qualidade de vida do paciente.




No mesmo período em que floresce o debate dos cuidados paliativos, coincidentemente, alguns personagens do campo psicodélico também já faziam aproximações com a experiência da morte.


  • Valentina Pavlovna Wasson, médica pediatra russa, esteve entre os que viajaram ao México em busca dos usos rituais dos cogumelos mágicos.


    Conheceu Maria Sabina e participou das primeiras veladas abertas para estrangeiros.


    Segundo os autores, sua crença no potencial terapêutico dos cogumelos para aliviar sofrimento psicológico foi essencial para a fundação dos usos modernos dos psicodélicos, incluindo suas aplicações em contextos terminais.

  • Outro personagem importante foi Aldous Huxley, autor e filósofo inglês. O processo de cuidar de sua primeira esposa, Maria, durante sua morte por câncer, o aproximou da realidade do sofrimento relacionado à terminalidade.


    Huxley passou a defender os psicodélicos como ferramentas para aliviar a ansiedade da morte.


    Em 1963, no seu leito de morte, pediu à sua esposa Laura que lhe aplicasse LSD.


    Acreditava que a substância poderia tornar o processo mais espiritual e menos doloroso psicologicamente.



Laura escreveu em carta à família:


“(…) de repente, ele aceitou o fato da morte; ele tomou a medicina moksha em que acreditava. Ele estava fazendo o que havia escrito em A Ilha, e eu senti que ele estava interessado e aliviado e quieto”.


Ela ainda relata que os médicos disseram nunca ter visto alguém morrer sem dor e sem esforço. E questiona:


“O jeito dele de morrer deve permanecer só para o nosso alívio e consolo, ou deveriam também outros se beneficiar disto?”




No campo científico, as primeiras pesquisas com LSD em pacientes terminais começaram ainda na década de 1960:


  • Walter Pahnke (1931–1971) e Eric Kast (1916–1988) investigaram seu uso em pacientes com câncer terminal;

  • Estudos no Spring Grove State Hospital e no Maryland Psychiatric Research Center testaram LSD e psilocibina, com resultados de redução significativa de ansiedade e sofrimento psicológico;

  • Na Europa, o psiquiatra Stanislav Grof demonstrou que o LSD ajudava na aceitação espiritual da morte, reduzindo o sofrimento psicológico.





Após a interrupção das pesquisas nos anos 1970, nomes como Charles Grob, Anthony Bossis, Stephen Ross e Roland Griffiths se destacaram nos estudos com psicodélicos em pacientes com doenças graves.

As evidências recentes indicam que psicodélicos podem oferecer alívio significativo ao sofrimento existencial e psicológico, proporcionando uma nova perspectiva no cuidado de pessoas com doenças graves.




Ana Cláudia defende que a potência dos psicodélicos nesse contexto está no estado de transcendência que eles podem favorecer, ou seja, nos efeitos subjetivos da experiência psicodélica:


“Minha percepção é a de que os psicodélicos favorecem um estado de transcendência da morte e de auto-transcendência; é essa possibilidade de transcendência que vai auxiliar na minimização do sofrimento espiritual, do sofrimento existencial, e na redução do medo da morte.”




Por tudo isso é que os autores defendem o uso do novo termo: “paliadélicos”, para descrever:


“Substâncias – ou terapias apoiadas por substâncias – que manifestam, revelam ou possibilitam estados de consciência que podem mitigar, apaziguar ou atenuar o sofrimento diante da morte.”

(Barco; Garcia, 2025)


Eles argumentam que a criação de novos conceitos é fundamental para o avanço científico, pois organiza categorias, facilita o debate e legitima um corpo crescente de conhecimento.


Assim, o neologismo pretende:


  • dar visibilidade ao uso potencial dos psicodélicos nos cuidados paliativos,

  • ampliar o debate sobre a humanização do tratamento,

  • e reduzir o sofrimento em contextos de fim de vida — refletindo a essência interdisciplinar e inovadora dos psicodélicos neste campo.


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