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MICRODOSE DE DECEPÇÃO: placebo tem maior eficácia para depressão no maior estudo de microdosagem com LSD já realizado.

Uma publicação recente na rede social do CEO e co-fundador da empresa australiana MindBio Therapeutics reverberou no campo psicodélico. No seu post no LinkedIn, Justin Hanka anuncia resultados preliminares da maior pesquisa investigando os efeitos de microdose de LSD até hoje - e o tom é de desapontamento.


A postagem se refere a uma pesquisa de ensaio clínico de fase 2b, cuja expectativa do grupo de pesquisadores responsáveis era o de confirmar o que já havia sido demonstrado em fases anteriores: com um número menor de pacientes depressivos (N=19), na fase 2a já havia sido demonstrado a redução de 59,5% na pontuação da escala MADRS (Montgomery Asberg Depression Rating Scale), sustentada por até 6 meses após a intervenção. Estes resultados foram divulgados no artigo “Microdosagem de LSD no transtorno depressivo maior: resultados de um estudo aberto”, disponibilizado online em 05 de Novembro de 2025 no volume 283 do periódico Neuropharmacology - com primeira autoria do brasileiro Dimitri Daldegan-Bueno, também membro do portal Ciência Psicodélica. O estudo também foi inédito em fazer acompanhamento ecocardiográfico dos pacientes e demonstrar ausência de indução de valvulopatia associada às 16 microdoses de LSD.


Voltando à fase 2b, embora os resultados ainda não tenham sido divulgados oficialmente através de uma publicação científica revisada por pares, Hanka faz um exercício de transparência ao adiantar para o público interessado os resultados da pesquisa - e seu explícito desapontamento. Neste ensaio com 89 pacientes voluntários (o maior número de voluntários numa pesquisa com microdosagem de psicodélicos até então) não houve diferença significativa entre o grupo que tomou LSD (ou MB22001) e o grupo controlado por placebo (que tomou cafeína) nos escores da escala MADRS.


Os resultados são decepcionantes para as expectativas que os pesquisadores esperavam encontrar, que significariam um avanço nas possibilidades de intervenções terapêuticas para o tratamento da depressão. Na prática científica, porém, “erros” também viram avanços no conhecimento, e, apesar da decepção, Hanka anuncia outros importantes resultados observados nesta pesquisa e nas anteriores: 1) a microdosagem diária de LSD em indivíduos saudáveis está associada a uma elevação do humor nesses sujeitos, além de melhoras no sono e aumento do tempo de sono REM; e 2) alterações na fala são percebidas mesmo com pequenas doses de psicodélicos, e a empresa vem desenvolvendo uma inteligência artificial com algoritmo capaz de fazer essa detecção.


Enquanto na fase 2a, os participantes tiveram uma média de redução de 59,5% nos escores da escala, no estudo 2b as reduções foram de 36,4% no grupo placebo e de 29,89% no grupo que recebeu microdoses de LSD. Estes resultados fortalecem os argumentos de críticos que acreditam que os efeitos obtidos com microdosagem de psicodélicos estão mais associados ao placebo do que à substância psicodélica em si, tendo alguns pesquisadores já teorizado que a simples comunicação de que os voluntários poderiam receber um placebo, e não a substância ativa, já poderia diminuir os efeitos gerais na eficácia da substância em ensaios clínicos. No mesmo volume nº 283 da Neuropharmacology, inclusive, outro artigo relatou não encontrar diferenças no humor e na cognição entre voluntários que tomaram microdose de psilocibina e que tomaram placebo em dois ensaios de tipo duplo-cego.


Escrevo este texto direto do Vale do Capão, na Chapada Diamantina, para onde vim participar do evento Expande Capão - ao lado de importantes vozes como Daiara Tukano, Adana Omágua-Kambeba, Glauber Loures de Assis, Jairo Lima, Caroline Apple, Fernanda Palhano-Fontes e Dráulio de Araújo. “O efeito placebo é o fenômeno mais lindo que já testemunhei numa pesquisa científica”: entre tantas falas poderosas durante o evento, esta afirmação de Dráulio, do Instituto do Cérebro, cabe aqui como um convite para refletirmos sobre os potenciais do efeito placebo, e o seu lugar na ciência. Num texto sobre o tema no Ciência Psicodélica, o biólogo Lucas Maia apresenta o efeito placebo como “um fenômeno psicobiológico importante e misterioso”, afirmando que, embora hoje seja entendido quase como um sinônimo de algo “sem valor” ou “dispensável”, por muito tempo na história da medicina foram utilizados “tratamentos inertes, ou seja, sem efeito farmacológico, quando nenhum outro tratamento estava disponível - com a intenção de dar esperanças aos pacientes; fazer algo ao invés de nada; ou, talvez, para tentar desencadear alguma capacidade de cura inata do paciente”.


Se a ideia de “auto-cura” pode parecer estranha ou mística demais para muitos cientistas, o efeito placebo parece demonstrar a existência de uma capacidade do corpo humano em participar ativamente do seu processo de cura. Talvez tenhamos ainda uma “Ciência do Placebo” a ser desenvolvida, disposta a compreender os tantos mecanismos que podem estar envolvidos neste efeito: psicológicos, imunológicos, endócrinos, espirituais…? Quem sabe se, assim como a ciência psicodélica anteriormente nos impulsionou em descobertas sobre o funcionamento da serotonina, e a ciência canábica nos levou a descobrir o sistema endocanabinoide, os psicodélicos ainda possam nos revelar mais sobre os mecanismos não-farmacológicos envolvidos nos processos de cura.

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