PSILOCIBINA É SINTETIZADA NATURALMENTE NOS FUNGOS DE PELO MENOS DUAS FORMAS DIFERENTES: o que podemos concluir?
- Iago Lôbo

- há 19 horas
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Um novo estudo, publicado no periódico Angewandte Chemie International Edition, demonstrou pela primeira vez que o Reino Fungi encontrou pelo menos dois caminhos diferentes de produzir a psilocibina. O artigo intitulado “Reações e Enzimas Diferentes para a Biossíntese de Psilocibina em Cogumelos Inocybe e Psilocybe”, da equipe alemã da Universidade Friedrich Schiller de Jena, explica que esses dois gêneros de fungos, separados por milhões de anos de evolução, foram capazes de chegar ao mesmo produto (a psilocibina) a partir de rotas enzimáticas diferentes. Essa é também a primeira vez que o fenômeno da convergência evolutiva é observado em fungos.
A convergência evolutiva acontece quando espécies diferentes (sem ancestral comum) desenvolvem características e soluções semelhantes para se adaptarem a ambientes ou desafios semelhantes. Muito comum nos reinos vegetal e animal, são exemplos de convergência evolutiva: o formato hidrodinâmico de golfinhos (mamíferos) e tubarões (peixes), a estrutura das asas de morcegos (mamífero) e pássaros, e os espinhos em diferentes espécies de plantas. A observação deste fenômeno na produção de psilocibina no Reino Fungi parece indicar a importância que esta molécula pode ter para estes fungos.
Darwinianamente falando, o gasto energético para produção desta molécula deve ser explicado por algum tipo de vantagem evolutiva que favoreça a sobrevivência e reprodução dos indivíduos e a continuação da espécie. Embora não exista consenso sobre o tema, acredita-se que a psilocibina pode ter tido alguma função protetora para os cogumelos que a continham, atuando como uma forma de dissuadir predadores, afastando insetos e animais, por exemplo. Aliás, um debate muito parecido a este é o em torno da cafeína: uma outra molécula psicoativa muito cara para nossa cultura e que também é fruto da convergência evolutiva, tendo sido produzida por mecanismos enzimáticos diferentes em várias espécies de plantas, como o cacau, o guaraná e o mate.
A pesquisa demonstrou bioquimicamente que o Psilocybe cubensis e o Inocybe cubensis os diferentes caminhos para produção da psilocibina (vide imagem de capa do texto): “Tanto o Psilocybe quanto o Inocybe usam o mesmo ponto de partida de aminoácidos para produzir psilocibina. Mas, a partir daí, os cogumelos seguem roteiros distintos de genes e enzimas. No meio do caminho eles se encontram em um ponto molecular intermediário antes de se separarem novamente - apenas para convergir em um produto final compartilhado”, simplificou Rachel Nuwer no New York Times.
Existem também os que acreditam que a molécula poderia funcionar não só como um “repelente” para algumas espécies, mas também como um “atrativo”, co-evoluindo com outras espécies ao uma facilitar a sobrevivência da outra. Muitos acreditam que este foi o caso da maconha: a espécie sobreviveu e desenvolveu variações graças ao cultivo humano, que encontrava diversos benefícios no seu uso - que, por sua vez, talvez o tenha ajudado na sobrevivência e continuação da espécie. Sidarta Ribeiro, neurocientista e pesquisador, chega a comparar o desenvolvimento da maconha ao das raças de cachorros, com uma participação e manipulação presente das mãos humanas. Certamente o contrário também é real: sem dúvidas, a interferência das patas caninas influenciou a evolução da espécie humana. Mas será que qualquer desses indivíduos (humanos, cachorros e maconhas) sabia qual seria o produto evolutivo dessas relações? Tinham “intenções” ou a evolução é mesmo fruto de tentativa e de acaso?
Embora possamos pensar numa co-evolução das espécies de maconha e os humanos, ou seja, uma espécie favorecendo a sobrevivência da outra através de uma relação mútua, para os cogumelos com psilocibina esta explicação vem com um certo anacronismo. Afinal, já foi demonstrado que a psilocibina surgiu no gênero Psilocybe ainda no período em que os dinossauros foram extintos, aproximadamente 65 milhões de anos atrás - muito antes da existência de humanos. Ainda assim, uma hipótese, do etnobotânico Terence McKenna, sobre a relação evolutiva entre os cogumelos com psilocibina e os humanos ficou muito popular no meio psicodélico: sua “Teoria do Macaco Chapado” sugere que o salto cognitivo ocorrido na evolução humana em torno de 3 milhões de anos atrás estaria relacionada ao consumo de cogumelos psicodélicos.
Seguindo pela trilha das especulações evolutivas e dos revisionismos históricos, McKenna chegou a supor que os cogumelos seriam uma forma inteligente de vida, de origem extraterrestre, cujos esporos poderiam ter viajado o espaço, com sua capacidade de suportar pressão e temperatura extremas. Certamente não caberia neste texto conclusões sobre a panspermia (teoria de que a vida teria vindo de fora da Terra), ou sobre a função evolutiva da psilocibina. O que podemos concluir é que a descoberta de uma nova via biológica de sintetização da psilocibina representará uma expansão no repertório biotecnológico de produção de fármacos psicodélicos - mais um presente misterioso da Natureza para a humanidade.


