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MANDALAS DA DMT: como a arte pode contribuir com as terapias psicodélicas.

Destacamos hoje, aqui nesta coluna, mais uma publicação fruto das pesquisas com psicodélicos realizadas pelo grupo do Instituto de Cérebro (ICE) da UFRN.

A pesquisa, intitulada “Recurso expressivo em um estudo clínico com psicodélicos: Arte como uma ferramenta de integração” (tradução livre), aconteceu no contexto do ensaio clínico de fase I com a DMT, um psicodélico clássico, que buscava investigar a segurança e eficácia terapêutica da DMT vaporizada no tratamento da depressão. O atual artigo traz um debate teórico sobre o uso da arte como ferramenta de facilitação de processos psicoterapêuticos, com grande potencial de aplicação nas etapas de integração de experiências psicodélicas.

Protocolos de integração

Segundo o artigo, no crescente campo das pesquisas e terapias com psicodélicos, os protocolos de integração têm se tornado essenciais para:

  • Garantir a segurança e conforto dos participantes;

  • Facilitar o processo terapêutico.

Esses protocolos buscam oferecer suporte para ajudar os voluntários a darem sentido à sua experiência psicodélica — muitas vezes caracterizada por uma inefabilidade, ou seja, a incapacidade de traduzir em palavras a complexidade da experiência vivida.

A arte, enquanto recurso terapêutico durante o processo de integração, teria como objetivo facilitar o acesso e a expressão de aspectos da experiência que fujam da narrativa linear verbal.

Como foi conduzida a pesquisa

A pesquisa contou com a participação de 27 voluntários saudáveis, que aceitaram o convite para desenhar e pintar uma mandala (“círculo sagrado” ou “mágico”, em sânscrito) depois da sessão de administração da DMT vaporizada, dentro da sessão de integração.

  • Foi entregue a cada participante um conjunto de 50 lápis de cor e uma folha de papel quadrada de 45 centímetros, com um círculo de grafite desenhado no centro, onde poderia ser feita a mandala.

  • Os participantes eram instruídos pelos psicólogos a se expressar por meio de traços, cores e símbolos relacionados à experiência ou algum aspecto dela, reforçando que o valor da atividade estava no processo e não no valor estético do resultado final.

  • Foi adotada uma abordagem neurofenomenológica, que não pretendia fazer uma interpretação da mandala, mas sim dar suporte aos participantes para construir suas próprias narrativas relacionando a mandala e a experiência psicodélica.

Fundamentos e referências

O artigo é também um registro da contribuição dos profissionais da psicologia na equipe multidisciplinar do Instituto do Cérebro: tanto Handerson Barros (primeiro autor) quanto Sophie Laborde fundamentam suas atuações clínicas nas teorias da Psicologia Transpessoal, que historicamente reivindicam o uso de técnicas de arte como ferramentas psicoterapêuticas.

  • Stanislav Grof, psiquiatra tcheco pioneiro nas pesquisas com LSD e um dos fundadores da Psicologia Transpessoal, observou ser comum a criação de mandalas por indivíduos que passaram por intensas experiências psicodélicas, interpretando-as como expressões visuais de processos psíquicos de cura e reorganização interior, servindo como meio de integração de aspectos emocionais, transpessoais, perinatais e arquetípicos.

  • Carl G. Jung, psiquiatra suíço fundador da Psicologia Profunda e precursor do paradigma transpessoal, também é citado como pioneiro no reconhecimento do valor psicológico das mandalas como representações simbólicas do processo de transformação interior e individuação.

Embora Jung não tenha sido favorável ao uso terapêutico de psicodélicos, os autores fundamentam sua prática também na literatura junguiana, uma vez que o psiquiatra não apenas analisou mandalas feitas por pacientes, como ele próprio realizou trabalhos artísticos como parte do processo de atravessamento de uma crise psíquica.

Em conversa com Handerson, ele afirma:

“O Jung não apoiava o uso de psicodélicos no processo terapêutico, mas ele apoiava a ideia de que os símbolos que emergem da experiência subjetiva podem ser utilizados no processo psicoterapêutico.”

Conclusão do estudo

Os autores argumentam que o uso de mandalas em contextos clínicos de uso de DMT está sustentado numa tradição terapêutica que valoriza o imaginário simbólico como instrumento no processo de integração e transformação interior.

Para eles, a função mediadora do recurso artístico:

  • Possibilitou a expressão de aspectos não conceituais da experiência;

  • Favoreceu a construção de significado;

  • Mostrou-se potente como ferramenta de elaboração do inefável, conectando a experiência ao discurso.

Os autores agora pretendem aplicar esse mesmo protocolo em outros contextos de pesquisa clínica, com objetivo de fortalecer as evidências do recurso artístico como ferramenta de potencialização do processo de integração e até dos próprios efeitos terapêuticos do acompanhamento com psicodélicos.

O texto conclui que a arte:

“(...) ao permitir a expressão não verbal de elementos da experiência, atua como facilitadora da construção de significados: mesmo em contextos onde o sentido lógico e verbal se rompe, a linguagem simbólica e estética do desenho possibilita uma integração sensível e coerente da experiência. Portanto, em vez de simplesmente representar uma atividade expressiva, a criação da mandala pode ser entendida como uma estratégia poderosa para acessar camadas profundas de significado, mobilizando recursos internos de forma integrada e terapêutica.”

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