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DMT vaporizado contra depressão: nova aposta da ciência psicodélica brasileira.


O grupo de pesquisadores do Instituto de Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe/UFRN) deu mais um passo inovador e histórico no campo da ciência psicodélica: pela primeira vez, eles demonstraram a eficácia da DMT vaporizada no tratamento da depressão resistente.


O artigo “Efeitos antidepressivos rápidos e sustentados da N,N-Dimetiltriptamina: um ensaio clínico de fase 2 do tratamento da depressão resistente” (tradução livre) foi publicado em 22 de abril de 2025, no periódico científico Neuropsychopharmacology, braço da prestigiada revista Nature.


A metodologia de pesquisa envolveu a aplicação de um protocolo de administração da DMT desenvolvido pela equipe do ICe, que consiste em duas aplicações, separadas por um intervalo de 1h30 entre elas.


Na primeira dose, o voluntário inala 15 mg de DMT vaporizada — uma dose leve para apresentar os efeitos da substância ao paciente; e na segunda, a dose completa de 60 mg. Os efeitos duram em torno de 10 a 20 minutos, durante os quais os voluntários são acompanhados por equipe psicológica e médica.


As avaliações dos voluntários e aplicações da substância aconteceram no Hospital Universitário Onofre Lopes, também vinculado à UFRN (Huol-UFRN), em Natal.


Os resultados da pesquisa demonstram que o uso vaporizado da DMT apresenta efeitos antidepressivos rápidos e sustentados por 3 meses:


Dos 14 voluntários com depressão resistente ao tratamento (condição tratada por dois ou mais medicações sem sucesso),

  • 11 tiveram melhora dos sintomas já no dia seguinte, sendo que

  • 10 destes entraram em remissão (sem sintomas), e

  • 5 seguiram remissivos por 3 meses seguintes ao tratamento.


Colocado de outra forma:

  • a taxa de resposta foi de 85% (redução de 50% ou mais dos sintomas), e

  • a taxa de remissão de 57% (fim dos sintomas), quando avaliadas 7 dias após a administração da substância.


Para a equipe, o uso terapêutico da DMT vaporizado ainda apresentaria outras vantagens em relação à ayahuasca (bebida que contém a DMT):

  • Seu efeito é consideravelmente mais curto do que as 4h a 6h de efeito da ayahuasca;

  • Não costuma gerar os efeitos adversos de vômito ou diarréia;

  • A via de administração inalada apresenta absorção mais rápida, e os efeitos podem ser sentidos em menor tempo;

  • Apresenta menor complexidade operacional, facilitando sua administração em ambiente hospitalar ou clínico;

  • Permite a continuidade do tratamento farmacêutico convencional, já que seus efeitos independem da administração de um iMAO (inibidor da monoamina oxidase), ao contrário da ayahuasca.


Os resultados da fase 2 do ensaio clínico reforçam os achados da fase 1, que apontam para a segurança e eficácia da DMT vaporizado em ambiente hospitalar para o tratamento da depressão resistente.


Depois da fase 1 realizada em 2024 com 27 voluntários saudáveis (sem depressão), e da recente fase 2 com 14 voluntários diagnosticados com depressão resistente ao tratamento, a fase 3 consiste em expandir esse número para algumas centenas de voluntários com depressão, ainda sem previsão de início.


Essas fases de ensaio clínico são exigências para qualquer pesquisa com humanos que objetivam o desenvolvimento de novos tratamentos e/ou medicamentos. Depois da aprovação do medicamento, ainda existe uma quarta fase, quando são realizados estudos de vigilância pós-comercialização para avaliar possíveis efeitos adversos e garantir a segurança do uso a longo prazo.


Não é a primeira vez que o Instituto é destaque no campo da ciência psicodélica.

Ainda em 2018, o grupo publicou o que viria a ser o primeiro estudo duplo-cego randomizado com ayahuasca para depressão no mundo; o artigo derivado da pesquisa — “Efeitos antidepressivos do psicodélico ayahuasca em depressão resistente a tratamento: um ensaio randomizado com controle de placebo” (tradução livre) — chega a ser listado como o 6º mais citado entre publicações de maior relevância com psicodélicos desde 1994 (Lawrence, 2021).


Em 2020, o grupo foi mais uma vez pioneiro, ao publicar o artigo “Mudanças em biomarcadores inflamatórios estão relacionados aos efeitos antidepressivos da ayahuasca” (tradução livre), fruto do primeiro estudo no mundo a demonstrar em humanos — tanto pacientes quanto pessoas saudáveis — a ação anti-inflamatória de um psicodélico clássico.


Na pesquisa atual, os pesquisadores também inovam em alguns pontos:

Desde 2020 o grupo passou a trabalhar não só com a ayahuasca, mas também com a DMT extraída da jurema-preta (Mimosa tenuiflora), planta de alta prevalência no nordeste brasileiro, e tradicionalmente usada por povos indígenas e de matriz africana.


Outro fato destacável: a DMT usada na pesquisa foi extraída das raízes de jurema-preta coletadas na fazenda do pai de Dráulio de Araújo, coordenador da pesquisa, em Quixadá-CE.


Essa relação da equipe com a jurema, que vai além dos limites do laboratório, revela outras dimensões de interesse e preocupação no trabalho do grupo:

Em maio de 2025, parte do grupo esteve presente no “I Seminário de Medicinas Ancestrais - Jurema: ciências, cuidados e proteção”, organizado pela UNIVASF, ACIRPE e Teia SACI - Saberes Ancestrais e Cura Integrativa.


O evento aconteceu no território indígena Truká, Aldeia Taperá, às margens do Rio Opará (também chamado Rio São Francisco) em Orocó-PE, reunindo lideranças e representantes de povos indígenas, membros de comunidades de terreiro, juremeiros, gestores e profissionais de saúde indígenas e pesquisadores.


A equipe participou de debates relacionados à ciência psicodélica que refletiram sobre:

“As dimensões éticas da pesquisa e da construção de conhecimento acadêmico, considerando a necessidade de descolonizar/contracolonizar modelos metodológicos e epistêmicos para a estruturação de novas bases de pesquisa simétricas que possam confluir com a dimensão sagrada da Jurema.”

O jornalista especializado na cobertura dos psicodélicos Marcelo Leite chegou a comparar o Seminário às Conferências Indígenas da Ayahuasca, como espaços de promoção de diálogo entre os saberes indígenas e a ciência acadêmica: enquanto na Conferência há um movimento de retomada do protagonismo indígena com a criação do Conselho de Lideranças Espirituais Indígenas, no Seminário o diálogo foi o ponto de partida para a elaboração de estratégias para proteção e protagonismo da própria Jurema.


Nesse sentido, a pesquisa com DMT vaporizada da UFRN marca um avanço na ciência psicodélica brasileira e mostra como é possível integrar inovação científica com respeito aos saberes tradicionais ligados à jurema, propondo uma abordagem mais ética e enraizada culturalmente.

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