LEGISLAÇÕES PSICODÉLICAS: novidades na política global.
- Iago Lôbo

- 17 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 18 de set.
Costumamos discutir aqui neste blog novidades que acontecem no âmbito do Renascimento Psicodélico e seus desdobramentos. Muitas no campo da ciência, outras no campo da cultura; hoje queremos falar sobre legislações.
Nos últimos meses, alguns países assumiram novas posturas oficiais em relação ao uso legal de psicodélicos em seus territórios. Essas decisões não são isoladas, e vêm na esteira de outras que começaram já há alguns anos.
Tentaremos aqui apresentar um breve resumo dessas novas legislações psicodélicas pelo mundo.
As novidades mais recentes
Primeiro, as últimas novas, que aconteceram nos últimos meses, na Alemanha, Noruega, República Tcheca e Nova Zelândia.
Noruega
Em junho, a Noruega já havia divulgado sua tecnologia de cetamina intravenosa para o tratamento de depressão resistente, junto a um relatório onde analisava 21 ensaios clínicos, com diferentes metodologias, com um total de 1761 pacientes voluntários, concluindo pela vantagem que o tratamento tinha sobre outros utilizados no país.
Enquanto o Spravato (medicação à base de escetamina via spray nasal), apesar de aprovado no país, segue sendo pouco utilizado pelo seu alto custo, o protocolo apresentado propunha um uso de cetamina genérica a um custo total de 30 dólares americanos — um valor mais acessível do que outros tratamentos, como a eletroconvulsoterapia.
No Hospital de Otsfold também já existia uma experiência de tratamento com cetamina, a partir da solicitação feita pela sua Unidade de Cetamina, que resultou no tratamento de 350 pacientes desde 2022.
Dois meses depois dessa divulgação veio a verdadeira novidade: em agosto de 2025, a Noruega se torna o primeiro país a criar um fundo público para financiar o uso off-label da cetamina genérica no tratamento da depressão resistente, que deverá ser aplicada dentro do sistema de saúde público do país.
Nova Zelândia
Também em junho, foi a vez da Nova Zelândia: em 18/06/2025, o vice-primeiro-ministro David Seymour anunciou a flexibilização das normas para que a psilocibina possa ser usada em casos de depressão resistente ao tratamento, mesmo com a substância não sendo ainda um medicamento aprovado.
Será a primeira vez que a substância será prescrita e administrada fora de um contexto de pesquisa clínica e, ao menos por ora, apenas um psiquiatra está autorizado. Cameron Lacey foi escolhido como primeiro prescritor autorizado pela sua vasta experiência e participação em ensaios clínicos no país. É esperado que novos psiquiatras prescritores sejam aprovados nos próximos meses.
República Tcheca
Já em julho de 2025, o presidente da República Tcheca Petr Pavel sancionou nova legislação que autoriza o uso da psilocibina (somente sua versão sintética), com prescrição a ser realizada por médicos credenciados.
No modelo tcheco se prioriza o modelo clínico, e os hospitais gerais e públicos têm autorização automática para ofertar o tratamento com psilocibina sintética. Prevê-se que outros estabelecimentos possam também realizar o tratamento no futuro, mas os critérios ainda não foram definidos.
Alemanha
Por fim, também em agosto de 2025, a Alemanha se tornou o primeiro país a permitir o acesso legal à psilocibina antes mesmo de sua aprovação regulatória — o que vem sendo chamado de uso compassivo, ou programa de acesso expandido.
A nova política autoriza duas instituições em Berlim a administrar a substância PEX010 (desenvolvida pela empresa canadense Filament Health) em pacientes adultos com depressão resistente ao tratamento.
Embora outros países, como Canadá e Suíça, já tenham políticas semelhantes de uso compassivo de psicodélicos, o modelo alemão se mostra inovador ao desburocratizar o processo, autorizando aos médicos psiquiatras a decisão da inclusão do paciente no tratamento, sem a necessidade de autorização prévia de instâncias governamentais.
Uso compassivo e comparações com o Brasil
Sobre o uso compassivo, o jornalista Marcelo Leite chega a comparar o modelo com a situação da ibogaína no Brasil:
Com autorização do órgão regulatório (no nosso caso brasileiro, a Anvisa), depois de uma avaliação caso a caso, o médico pode prescrever e administrar a substância para o tratamento da dependência química.
No Brasil, o uso médico off-label da cetamina (ou escetamina) intravenosa ou subcutânea também já é uma realidade, pelo menos desde 2016.
Tendência global
Como dito anteriormente, estas não são as únicas, primeiras ou últimas novas legislações sobre o uso de psicodélicos no mundo. Desde o Renascimento Psicodélico, a atualização das leis se configura como uma tendência global.
Antes desses últimos países já mencionados, podemos citar uma série de outros que seguiram passos semelhantes.
Exemplos internacionais
Suíça
Na Suíça, país reconhecido por suas políticas progressistas no campo das drogas, desde 2014 os médicos podem solicitar autorização excepcional ao governo para uso de psilocibina, MDMA e LSD.
Somente em 2024, foi autorizado o uso compassivo de psicodélicos para 700 casos (entre eles, 322 para o uso da psilocibina).
Austrália
Em julho de 2023, a Austrália foi protagonista de muitas matérias ao se tornar o primeiro país do mundo a autorizar a prescrição de MDMA; também o uso medicinal de psilocibina foi aprovado naquele momento.
A icônica foto da prescrição assinada pelo médico Ted Cassidy, divulgada em seu perfil no Linkedin, foi utilizada em vários portais e provavelmente entra para a história da psicodelia de forma similar às antigas bulas do Delysid (primeira patente do LSD, pela Sandoz, antes de sua proibição).
Atualmente, a Austrália já conta com 35 médicos prescritores de psicodélicos, porém o alto custo do tratamento restringiu o número de pacientes nos 18 primeiros meses do programa a menos de 100.

Estados Unidos
Os Estados Unidos da América também são um epicentro global de novas políticas psicodélicas.
Por conta de sua organização federativa, vários projetos já foram discutidos e aprovados em diferentes estados.
Oregon: em novembro de 2020, tornou-se o primeiro estado a legalizar a fabricação e o uso terapêutico da psilocibina, propondo um modelo inovador — uma espécie de política híbrida, que não é simplesmente saúde, mas também não se confunde com o uso recreativo.
Colorado: em 2022, aprovou a descriminalização dos cogumelos psicodélicos para maiores de 21 anos e a criação de centros de cura regulamentados pelo estado, onde pacientes podem experimentar a droga sob supervisão.
Novo México: foi o terceiro estado psicodélico dos EUA, aprovando a legalização da psilocibina em centros licenciados.
Depois dessas experiências, várias cidades norte-americanas caminharam em direção à regulamentação, descriminalização ou despenalização do uso adulto de psicodélicos, dentre elas:, São Francisco (Califórnia), Santa Cruz (Califórnia), Denver (Colorado), Cambridge (Massachusetts), Detroit (Michigan), Ann Arbor (Michigan), Seattle (Washington), Washington D.C. (capital federal).
Apesar de toda esta mobilização, a tão aguardada aprovação do MDMA para o tratamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) foi negada pela FDA em 2024, esfriando os ânimos de muitos investidores e entusiastas.
Vale mencionar ainda que a ayahuasca foi legalizada para uso religioso nos EUA em 2006, através de ação judicial movida contra a União do Vegetal — e alguns chegam a considerar este um dos marcos de início do chamado Renascimento Psicodélico.

Brasil
No Brasil, temos uma legislação que autoriza o uso religioso da ayahuasca e uma ciência psicodélica em amplo florescimento — experiências que servem de referência para outros países.
Por outro lado, as mudanças políticas seguem a passos lentos, com poucas discussões no âmbito da Anvisa.
Enquanto isso, muitas categorias e organizações sociais se mobilizam em torno da temática.
Por parte do Estado, infelizmente o que segue sendo objeto de notícias são as operações policiais que resultam em apreensões de cultivos de cogumelos, prisão e julgamento dos cultivadores.
A mais recente, a “Operação Psicose”, e a forma sensacionalista como foi noticiada, revela a desinformação psicodélica e a moral proibicionista que ainda circulam no país.
Em 2023, o jornalista Carlos Minuano narrou uma disputa extrajudicial entre cultivadores que acabou se desdobrando em uma série de ameaças e prisões.
Um caso específico levou à prisão do cultivador Fabio Hoff, que agora tem chances de ser levado ao Supremo Tribunal Federal — e quem sabe possamos comemorar boas novas para os cogumelos psicodélicos em solo brasileiro.


