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DMT

A N,N-dimetiltriptamina (DMT) é um alcaloide indólico amplamente encontrada em plantas e animais, incluindo humanos. A DMT foi sintetizada pela primeira vez em 1931 pelo químico germano-canadense Richard Manske (1901-1977) e isolada em 1946 pelo químico brasileiro Oswaldo Gonçalves Lima (1908–1989) a partir da casca da raiz da Jurema Preta (Mimosa tenuiflora).

Nos humanos, a DMT é encontrada em níveis mais elevados nos pulmões, tireoide e glândulas adrenais. Em níveis intermediários, é encontrada na placenta, músculo esquelético, coração, intestino delgado, estômago, pâncreas e linfonodos. Embora os mecanismos de sua biossíntese, metabolismo, função e modo de ação sejam em grande parte desconhecidos, evidências sugerem que a DMT endógena participa de vários processos em diferentes sistemas e pode atuar como um neurotransmissor.

A DMT não produz efeitos quando ingerida isoladamente, pois é degradada pelas enzimas monoamina oxidase (MAO) presentes no trato gastrointestinal, tornando impossível sua chegada ao sistema circulatório sistêmico e ao sistema nervoso central. Na ayahuasca, no entanto, a presença de inibidores de MAO, como a harmina, protege a DMT de ser degradada e lhe confere um efeito representativo no cérebro e outros órgãos.

Os primeiros estudos humanos com a DMT isolada ocorreram em 1956, conduzidos pelo químico e psiquiatra húngaro Stephen Szára, que administrou a DMT intramuscularmente (i.m) a 20 voluntários saudáveis. Desde então, estudos mais recentes sugerem um perfil de segurança associado à administração parenteral de DMT isolada, como vaporizada ou intravenosa (i.v).

Os efeitos agudos da DMT são transitórios, durando entre 20 min (i.v ou inalado) e 1 hora (i.m). Não é observada tolerância ou overdose. Em doses mais baixas (0,01 mg/kg i.v), leva a estados de relaxamento e conforto, e em doses mais altas (0,4 mg/kg i.v), tem efeitos rápidos e intensos, com mudanças significativas no estado de consciência, que de muitas maneiras remetem a um estado semelhante ao de um sonho.

Recentemente, a DMT tem sido associada a efeitos terapêuticos, particularmente em transtornos mentais como depressão e ansiedade. Ensaios clínicos com ayahuasca e DMT isolada sugerem efeito antidepressivo rápido, iniciado já no dia seguinte à intervenção.

Central para a criação e avaliação de novas terapias é o entendimento dos mecanismos pelos quais a DMT exerce seus efeitos. Nossos estudos sugerem que a resposta terapêutica é o resultado da combinação da modulação de vias neuroimunes, neuroendócrinas e de neuroplasticidade que são importantes para a regulação homeostática, bem como algumas características da fenomenologia dos efeitos agudos da substância, como mudanças na percepção visual e auditiva durante a experiência com ayahuasca.

LSD

A dietilamida do ácido lisérgico (LSD), um composto alucinógeno potente, foi sintetizado pela primeira vez pelo químico suíço Albert Hofmann em 1938 durante sua pesquisa sobre alcaloides do ergot derivados do fungo Claviceps purpurea. No entanto, não foi até 19 de abril de 1943, que Hofmann descobriu as potentes propriedades psicodélicas do LSD após ingerir acidentalmente uma pequena quantidade do composto, marcando o nascimento da ciência psicodélica moderna.
A fenomenologia dos efeitos do LSD abrange uma ampla variedade de experiências subjetivas, que vão desde alterações na percepção sensorial até mudanças profundas na consciência.

 

Os usuários frequentemente relatam alucinações visuais vívidas, caracterizadas por padrões geométricos intrincados, cores intensificadas e percepção aprimorada de profundidade e textura. Essas distorções visuais frequentemente são acompanhadas de sinestesia, onde modalidades sensoriais se entrelaçam, levando a experiências como "ver" sons ou "ouvir" cores. Além disso, os estados induzidos pelo LSD comumente evocam sentimentos de interconexão, intensa emotividade, dissolução do ego, experiências místicas e um sentido aprimorado de admiração e maravilhamento. Tais alterações profundas na experiência subjetiva destacam a capacidade do LSD de facilitar a introspecção profunda e a exploração espiritual, contribuindo para sua fascinação duradoura entre cientistas, artistas e místicos.


Apesar de seu potencial para induzir alterações profundas na percepção, humor e cognição, o LSD também apresenta certos riscos. A substância pode desencadear experiências psicológicas intensas e imprevisíveis, comumente referidas como "viagens ruins", que podem incluir alucinações, paranoia e ansiedade. Além disso, o LSD pode induzir efeitos físicos adversos como aumento da frequência cardíaca, pressão arterial elevada e náuseas. Em raras ocasiões, o uso de LSD foi associado a eventos adversos graves em pacientes, como reações psicóticas prolongadas, especialmente em indivíduos predispostos a transtornos psicóticos, e suicídio.
Em configurações clínicas, o LSD demonstrou um potencial terapêutico promissor. Pesquisas realizadas na metade do século XX exploraram suas aplicações na psicoterapia, mostrando eficácia no tratamento de várias condições psiquiátricas, incluindo transtornos de ansiedade, depressão e transtornos por uso de substâncias. Estudos recentes reavivaram o interesse na psicoterapia assistida por LSD, com evidências preliminares sugerindo sua eficácia na redução dos sintomas de ansiedade e depressão.


Ensaios clínicos que investigam a terapia assistida por LSD relataram melhorias no humor, cognição e bem-estar geral após a administração controlada da substância. Acredita-se que esses efeitos terapêuticos derivem da capacidade do LSD de modular receptores de serotonina no cérebro, levando a uma introspecção aprimorada, liberação emocional e experiências místicas. Além disso, a terapia assistida por LSD frequentemente envolve uma estrutura terapêutica estruturada, enfatizando o suporte psicológico, a exploração introspectiva e a integração das experiências psicodélicas na vida cotidiana.


À medida que a pesquisa sobre o LSD continua a evoluir, é essencial navegar em seu potencial terapêutico enquanto se mitigam os riscos associados. Ao elucidar os mecanismos de ação subjacentes e refinar os protocolos terapêuticos, os cientistas visam aproveitar os benefícios terapêuticos do LSD enquanto minimizam os efeitos adversos, pavimentando o caminho para seu uso responsável e regulamentado na prática clínica.

CETAMINA

A cetamina é um anestésico dissociativo que ganhou popularidade devido ao seu perfil de segurança, especialmente por manter estáveis os reflexos das vias aéreas e a pressão arterial durante procedimentos anestésicos. Seus efeitos são mediados principalmente através do antagonismo dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), que são parte do sistema de neurotransmissão glutamatérgico.

 

A cetamina é um composto químico que pode ser encontrado em várias formas, a mais comum, e a primeira a ser sintetizada e usada clinicamente, é a cetamina racêmica. Essa é uma mistura 50/50 de duas formas enantioméricas, a cetamina S(+) e a cetamina R(-). Cada enantiômero tem diferentes propriedades farmacológicas e, em sua forma isolada, também são usados clinicamente. A Cetamina S(+) (ou Escetamina) é o enantiômero mais potente e é geralmente considerado mais eficaz em doses menores do que a forma racêmica. A Cetamina R(-), é menos potente e por isso tem sido menos estudada.

Os primeiros relatos sobre a ação antidepressiva da cetamina emergiram de observações incidentais. Na década de 1990, pesquisadores começaram a notar que pacientes submetidos a procedimentos anestésicos com cetamina frequentemente relatavam melhorias significativas no humor, que surgiam rapidamente após a administração da droga e persistiam por algum tempo além do efeito anestésico. A partir dos anos 2000, estudos começaram a investigar de forma sistemática o potencial antidepressivo da cetamina em pacientes com depressão resistente ao tratamento.

Os estudos iniciais sobre a ação antidepressiva da cetamina caracterizavam-se pela administração intravenosa e uso de doses únicas. Esses estudos revelaram uma ação rápida, com melhoras em 24h e taxa de resposta terapêutica entre 50% e 70% em pacientes com resistência aos tratamentos convencionais, demonstrando também uma boa segurança e tolerabilidade do fármaco. Posteriormente, a pesquisa expandiu-se para explorar outras vias de administração, incluindo intranasal, oral, intramuscular e subcutânea. Além disso, foram conduzidos estudos que investigaram os efeitos de múltiplas administrações da substância.

 

Esse progresso culminou, a partir de 2019, na autorização do uso do Spravato® (escetamina), uma forma intranasal de cetamina, para pacientes com depressão resistente ao tratamento ou pacientes com alto riso de suicídio, em diversos países, incluindo o Brasil. Desde então, a cetamina vem sendo estudada para uma variedade de transtornos mentais, como: ansiedade, transtorno afetivo bipolar, transtorno do estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno por uso de substâncias. 

O protocolo terapêutico para a administração de Spravato® apresenta custos elevados, notadamente devido aos custos associados à importação da substância e a necessidade de aplicação intranasal ser realizada sob supervisão médica em ambiente clínico. Em resposta a esses desafios, estamos conduzindo um estudo clínico que explora o uso de escetamina subcutânea produzida nacionalmente, com o objetivo de reduzir os custos associados à patente do Spravato®. Adicionalmente, o estudo visa validar protocolos de psicoterapia como suporte a ação da substância, por exemplo no manejo da dissociação, um efeito cuja categorização como evento adverso ainda está sob debate. A investigação propõe que, em vez de minimizar este efeito, ele deveria ser mais profundamente estudado e gerido com suporte psicoterapêutico adequado.

Portanto, a cetamina é promissora devido à sua capacidade de agir rapidamente e para condições que são resistentes a outras formas de tratamento. No entanto, apesar de seu potencial, ainda são necessários mais estudos para entender completamente seus efeitos, possíveis eventos adversos a longo prazo e o desenvolvimento de protocolos de tratamento mais seguros, eficazes e menos onerosos.

AYAHUASCA


Ayahuasca,  em quéchua “a videira dos espíritos” (aya = espírito e waska = videira), é um preparo psicodélico criado por populações indígenas da bacia amazônica, que a utilizam há séculos em cerimônias xamânicas. Além disso,  a partir da década de 1930, ela tem sido utilizada como um sacramento por religiões sincréticas brasileiras como o Santo Daime, a União do Vegetal e a Barquinha1. Seu preparo se dá comumente a partir da combinação do cipó Banisteriopsis caapi, também conhecido como jagube ou mariri, com as folhas da planta Psychotria viridis, conhecida como chacrona2. Misturados com água e fervidos por horas ou dias, o resultado é um líquido de cor marrom com um sabor forte e característico.

 

A principal substância ativa da ayahuasca é a N,N-dimetiltriptamina (DMT), uma substância psicodélica potente que está presente nas folhas da chacrona. No entanto, quando ingerida, a DMT é normalmente inativada pelo sistema digestivo humano, por enzimas conhecidas por monoamina oxidase (MAO). A presença de inibidores da monoamina oxidase (IMAOs) presentes no cipó Banisteriopsis caapi é o que permite que a DMT seja ativa quando consumida na ayahuasca. Estes compostos bloqueiam temporariamente a ação das enzimas monoamina oxidase no  sistema digestivo, impedindo a degradação da DMT e permitindo seus efeitos psicoativos3.

 

Os efeitos agudos da ayahuasca variam de acordo com fatores como dose, contexto da experiência e características individuais do usuário. Geralmente, os efeitos começam cerca de 20 a 40 minutos após a ingestão e duram em torno de 4 horas4. As experiências podem ser profundamente introspectivas, com alterações nas sensações do corpo, das emoções, do humor e na maneira de perceber a si mesmo e aos outros. São comuns as visões com olhos fechados que podem variar desde imagens geométricas até cenas vívidas e complexas como em um sonho4,5. Também podem ocorrer efeitos como náuseas, vômitos, diarreia e leves aumentos da pressão arterial e da frequência cardíaca4.

 

Estudos de neuroimagem mostram que a ayahuasca também provoca efeitos no cérebro. De maneira aguda a ayahuasca promove alterações no córtex visual, hipocampo e córtex frontopolar, áreas associadas à percepção visual, memória e cognição, respectivamente6. Além disso, a ayahuasca reduz a atividade e conectividade de um conjunto de regiões cerebrais conhecido como rede de modo padrão, relacionada à introspecção e processos autoreferenciais7

 

Há um crescente interesse na pesquisa sobre os potenciais benefícios terapêuticos da ayahuasca. Estudos sugerem que a ayahuasca pode ser eficaz no tratamento de condições como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), e transtorno por uso de substância8. Nosso grupo conduziu o primeiro ensaio clínico do mundo randomizado placebo controlado avaliando a ayahuasca no tratamento da depressão resistente ao tratamento. Nossos resultados sugerem que a ayahuasca tem efeito antidepressivo rápido, com início um dia após uma única intervenção9. Com esse estudo também mostramos que a ayahuasca modula marcadores bioquímicos como o hormônio cortisol, relacionado ao estresse, a molécula BDNF, relacionada à neuroplasticidade e a proteína c-reativa, relacionada à inflamação10–12.

 

No entanto, é importante ressaltar que a ayahuasca não é uma substância isenta de riscos, e seu uso deve ser realizado com cuidado. Além disso, o contexto das cerimônias e a integração das experiências são considerados aspectos cruciais para maximizar os potenciais benefícios terapêuticos e minimizar os riscos associados ao seu uso. Em 1987, o governo brasileiro autorizou o uso ritualístico da ayahuasca, no entanto, cabe lembrar que como tratamento médico, ela tem sido utilizada apenas em um contexto de pesquisa experimental e não é aprovada para uso clínico comercial.

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