Pseudo-LSD Terapêutico? Novo parapsicodélico retoma discussão científica na Ciência Psicodélica.
- Iago Lôbo
- há 4 dias
- 4 min de leitura
Nas últimas semanas os portais científicos e de notícias divulgaram os resultados de uma pesquisa que aponta para o uso terapêutico de LSD no tratamento da esquizofrenia. A notícia chama atenção principalmente porque a esquizofrenia está entre as condições para as quais existe um consenso histórico de contra-indicação para o uso de psicodélicos. Mas com esse tipo de chamada, as matérias podem acabar confundindo os leitores sobre os detalhes da pesquisa e gerando desinformação.
No último 19 de Abril comemorou-se o famoso Dia da Bicicleta, que neste ano de 2025 marca os 82 anos da descoberta dos efeitos psicoativos do LSD por Albert Hofmann; mas será que o lendário químico psicodélico receberia a pesquisa como um presente, ou mais uma travessura da sua “criança-problema”?
A pesquisa noticiada foi publicada em 14 de Abril de 2025 na importante revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), tendo Jeremy R. Tuck como primeiro autor, membro do laboratório de David E. Olson, professor de química, bioquímica e medicina molecular da Universidade da Califórnia (UC), no Instituto de Psicodélicos e Neuroterapêuticos.
A pesquisa, intitulada “Desenho Molecular de um Análogo Terapêutico de LSD com Potencial Alucinógeno Reduzido”, dá seguimento ao desenvolvimento de moléculas “parapsicodélicas” (apelidadas assim aqui no Brasil por Marcelo Leite, jornalista especializado na cobertura da ciência psicodélica), marca registrada do trabalho de Olson.
Pelo menos desde 2021, Leite já vem tratando sobre o surgimento dos parapsicodélicos e seus efeitos no campo psicodélico global.O prefixo “para”, escolhido pelo jornalista, indica que essas moléculas são “mais que” psicodélicos, ou estão “além” deles; ou seja, moléculas parecidas com psicodélicos, normalmente desenvolvidas a partir destes, mas com modificações moleculares que alteram seus efeitos.
Já Olson, prefere chamá-los de “psicoplastógenos”, algo como “geradores de plasticidade psíquica”, que ele define em artigos anteriores como
“uma classe de drogas relativamente nova, de rápida ação terapêutica, e capacidade de rápida promoção de neuroplasticidade estrutural e funcional” (OLSON, 2018).
O neologismo criado pelo autor não deixa explícita a relação entre estas substâncias e seus parentes psicodélicos, se aproximando deles mais através dos seus mecanismos de ação e efeitos terapêuticos, do que pela experiência subjetiva produzida por eles.
Esta, aliás, parece ser a motivação principal por trás deste tipo de pesquisa: o desenvolvimento de medicamentos que tenham eficácia no tratamento de condições de saúde semelhantes à apresentada pelas substâncias psicodélicas, excluindo da experiência a “viagem” psicodélica, entendida pelo grupo como “efeito adverso” da medicação.
Até o nome da empresa de biotecnologia na qual Olson é CEO indica esse desejo de retirar a psyche da equação: Delix Therapeutics.
Na pesquisa atual, foi desenvolvida uma molécula análoga ao LSD apenas mudando a localização de 2 átomos na molécula da substância:
“Basicamente, o que fizemos foi uma rodízio dos pneus de um carro”, disse Olson em entrevista à UC.
Ele afirma que apenas esta mudança foi suficiente para aumentar o perfil de seletividade da molécula e reduzir o potencial alucinógeno dela. A nova substância foi batizada de JRT, sigla em referência ao nome do primeiro autor do estudo, Jeremy R. Tuck.
O grupo inova também ao selecionar pacientes esquizofrênicos como sujeitos de pesquisa. Ao eliminar os potenciais alucinógenos, a JRT teoricamente apresenta menos riscos para este grupo populacional que costuma ser excluído das pesquisas psicodélicas pela possibilidade da interação com psicodélicos poder disparar crises psíquicas e experiências traumáticas.
O grupo atesta que a pesquisa foi desenvolvida mirando em doenças nas quais o uso de psicodélicos é contraindicado, como a esquizofrenia, bipolaridade e psicose, mas também acredita que ela possa encontrar potenciais benefícios terapêuticos no tratamento de doenças neuropsiquiátricas ou neurodegenerativas marcadas por perda sináptica ou atrofia cerebral.
O processo de 12 etapas da síntese da JRT levou quase 5 anos para ser elaborado pelo time, e o desenho metodológico da pesquisa foi com modelos animais, no caso, dando as substâncias para camundongos. Os pesquisadores concluem a ausência de alucinações por não observarem uma característica clássica de roedores sob efeito de substâncias psicodélicas, e outras condições ambientais: o “head-twitch response” (HTR), um reflexo muscular de sacudir a cabeça.
Além disso, sobre os possíveis efeitos terapêuticos, a pesquisa observou:
Uma atuação altamente seletiva para se ligar aos receptores de serotonina (que pode estar relacionado a efeitos antidepressivos);
Um aumento de 46% na densidade de espículas dendríticas e de 18% na densidade sináptica (ambos sinais de neuroplasticidade);
Não promoveu a expressão gênica associada à esquizofrenia;
Produziu efeitos antidepressivos robustos, cerca de 100 vezes mais potentes que os da cetamina;
E promoveu flexibilidade cognitiva, em testes de aprendizagem reversa associados à esquizofrenia.
Estes resultados parecem promissores, mas também despertam resistências e críticas no meio psicodélico:Existe um grupo de pesquisadores que acredita que os fatores neuroquímicos são suficientes para o desenvolvimento de novas medicações e tratamentos;porém, existe outro grupo que defende que a experiência em si dos estados alterados de consciência proporcionados pelos psicodélicos compõem o efeito terapêutico final dessas substâncias.
Eis talvez um dos principais dilemas epistemológicos da ciência psicodélica contemporânea: A experiência subjetiva é necessária para os efeitos terapêuticos dos psicodélicos?
Em outros termos, esse dilema parece atualizar no campo psicodélico um outro dilema já antigo na saúde mental: os efeitos dos medicamentos psicotrópicos dependem da psicoterapia? Como? Quanto?
Tudo tende a ficar ainda mais complexo nas próximas etapas da pesquisa,quando começarem as pesquisas de ensaio clínico com humanos, e de fato começar a pensar a aplicabilidade clínica destas substâncias.
Muitos outros grupos ao redor do mundo, além do de Olson, vêm também investindo no desenvolvimento de tipos de psicoplastógenos, o que indica uma tendência forte no campo.
Ainda que muitos estudos apontem para a relação entre alteração da percepção e os efeitos terapêuticos finais dos psicodélicos, é necessário reconhecer que existe um interesse financeiro e também demanda terapêutica para este tipo de substância – afinal, muitos pacientes não querem ou não podem passar por uma experiência psicodélica completa.
Aparentemente, a terapia com psicodélicos não psicodélicos chegou para ficar.